terça-feira, 26 de abril de 2016

A falência do design - os carros


  Não foi uma só, foram várias vezes em que li e ouvi gente reclamando da falta de interesse das crianças pelos automóveis. A questão chegou a suscitar uma nova linha de catastrofistas, os que dizem que o fim do automóvel está próximo. Um teste recente nos Estados Unidos demonstrou isso, garotos na primeira infância se mostraram indiferentes aos carros apresentados, à exceção do Nissan Leaf. O  eléctrico puro da Nissan é o plug-in mais vendido no mundo, de cara ele chama atenção pelo desenho completamente diferente dos outros, alguns elementos chegam a remeter aos carros populares dos anos sessenta. Aliás, houve época em que a Nissan era chegara ao design retrô!

  Há cerca de dez ou quinze anos, as crianças conseguiriam identificar seus preferidos sem maiores dificuldades, mas isso porque houve uma tentativa de retomar a personalidade estética, como a linha Chrysler de então, que parecia uma linha de naves espaciais. Há trinta anos seria um esforço desnecessário, mesmo com desenhos bem mais simples do que de outras épocas, era fácil distinguir um Mercedes-Benz de um Volkswagen, um Ford de um Chevrolet, uma Honda de uma Yamaha. Hoje vivemos uma era de medo de fracassar, mesmo o que parece ser diferente, nada mais é do que uma caricatura do que já existe. carro tem que ser agressivo, cheio de penduricalhos feios e inúteis, de preferência ser um (arg) SUV de péssima aerodinâmica e ausente de personalidade. Quem já viveu entre Veraneio, Rural Willys/Ford e a Kombi jarrinha, sabe do que estou falando.


  Não é de se estranhar que petizes em tenra idade arreganhem sorrisos ao verem um DKW passando, mesmo o Fusca, ainda com mais de dois milhões de exemplares rodando pelo país, provoca mais comoção do que um carro "fodão badass" com rodas desnecessariamente grandes, grades exageradas e sem qualquer harmonia estética, enfim. Os carros, especialmente populares, são pouco mais do que cópias e colas de seus concorrentes. A argumentação da segurança e das conveniências de conectividade, estão atraindo quem não dá a mínima para carros, quem gosta deles entra em um Corcel 1976 sabendo dos riscos que corre. Já consultei um engenheiro mecânico, um ex-professor de tecnologia mecânica e dá sim para colocar airbag e toda a parafernália electrônica em um carro antigo, os gastos não superariam o que muita gente desembolsa para arruinar um clássico apto à placa preta.

  E por falar nisso, algumas montadoras estão dando o tiro no pé de decretar que os acidentes podem ser eliminados, se as pessoas forem simplesmente conduzidas por carros autônomos. Não nego que em caso de embriagues ou problemas de saúde, é bom contar com esse recurso, mas simplesmente tirar o controle de seu destino de suas mãos, meu amigo, vai contra o maior sentido de existir de um automóvel, que é a liberdade. Não vou falar aqui, não agora, dos danos que essa fomentação da preguiça e do individualismo pode causar, porque deixar-se controlar por um robô vai desestimular até olhar pela janela, em caminhos percorridos diariamente. E lamento informar, a perfeição não existe no orbe dos homens, cedo ou tarde a máquina falha, para de funcionar ou te leva para o lado errado, como para cima de um poste... Ou de uma criança na calçada. Basta dar pau, o que já é comum em nossos carrinhos control+C-control+V. Diga-se de passagem, os comerciais de carros seguem a mesma idiotice do design, ou da falta dele. Ah, sim, e a Ford perdeu um potencial cliente ao declarar que não quer tiozão dirigindo seus carros, motivo pelo qual renomeou o Focus sedan com um nome idiota de apelo"jovem".

  No Brasil há ainda o agravante da escassez de cores, que concessionários impõe para poupar gastos com estoques, divulgando que essa ou aquela cor é mais fácil de revender. Fica estranho ver caminhões saindo das fábricas com cores vivas, bonitas e irradiantes, enquanto carros de passeio se concentram em tons de cinza. Ninguém era depreciado por andar em um Opala verde intenso. Houve época em que a Chevrolet oferecia até pintura em dois tons, extinta em 1989, na última remodelação do Opala. Preciso dizer que esse opcional tornou-se um clássico? Pois já disse. Alguns tons de amarelo eram tão escandalosos, que doíam nos olhos. Cor viva ser exclusiva de falsos esportivos e (arg) SUV de araque, é tendência tão recente quanto imbecil. Vejam só, carros maiores têm cores fortes, os pequenos, que mais precisam ser vistos no trânsito, têm quinhentos tons de cinza.


  E não é só no exterior, o interior dos carros era completamente diferente dos concorrentes, muitas vezes uma marca tinha um estilo próprio para cada família de carros. Era fácil identificar se havia entrado em um Chevette, um Kadett, um Monza ou um Opala; todos da mesma marca. Bastava abrir os olhos e todos os elementos de estilo saltavam aos olhos. Tente fazer isso nos Chevrolets nacionais de hoje. Imagine as linhas Fiat Volks da época, que tinham carros de várias épocas e concepções dividindo as mesmas fábricas! Era um desbunde, um colírio sobre rodas!
  Sempre foi um problema localizar um carro em um estacionamento grande, como o de um shopping center, mas hoje é um verdadeiro pesadelo. É como se o mundo fosse preto e branco com baixa resolução.

  Em parte pé por isso que os chineses estão comendo fatias do mercado ocidental. Os modelos vendidos aqui usam plataformas de carros ocidentais, com todas as normas de segurança que cada país exige, só que sem os custos de desenvolvimento de um automóvel novo. Se é para comprar uma coisa sem personalidade, que vai durar pouco e se rasgar só de encostar em um carro dos anos oitenta, não há dúvidas em escolher o mais barato. Se a tal "racionalidade" é tudo o que importa, então o preço é um argumento mais poderoso do que conforto e prazer de dirigir... Aliás, ir de ônibus é um argumento melhor... Vida cinzenta! Melhor morrer feliz, sério!

  Um amigo, dono de um belo Escort XR3 conversível, creio que ano 1986, que chama atenção por onde passa, contou de dois episódios que vão arrepiar quem decora os discursos dos fabricantes e dos engenheiros de escritório com ar condicionado:
  No primeiro um Hyundai HB20 bateu na lateral e saiu esfregando no Escort. Ele saiu para ver os prejuízos e só encontrou o friso lateral torto, com uma massa de tinta branca. O HB20 teve sua lateral completamente rasgada. Descobrir essa fragilidade tão grande, que no cotidiano pode resultar em ferrugem rápida por conta de arranhões mais profundos, comuns na vida útil de um carro, foi realmente revolucionário.
  No segundo foi com um Novo Fiat Uno. O sujeito simplesmente ignorou a preferencial e avançou, meu amigo o pegou em cheio. Apesar de todas as barras de proteção, estrutura reforçara para a sua segurança e tudo mais, ele afundou as portas do Fiat, a frente do Escort, que na época do lançamento era considerado frágil, ficou praticamente intacta. E a falta de airbag não fez diferença... Incrível, não? Ele saiu ileso, feliz e saltitante por não ter comprado um "plastimobile" com pompa e apelo de testes de colisão que, francamente, doravante vou confiar pela metade.


  Estão entendendo por que o antigomobilismo, como toda a cultura retrô e vintage, está avançando tanto e com tanta força? Ninguém em sã consciência que viver em uma bolha estéril, protegido de tudo, de todos e da própria vida. O que vivemos hoje é algo pior que os pesadelos de Audous Huxley. Nós parecemos viver em uma era de tolerância e progressos pessoais, mas em nenhuma outra época um fabricante disse que o problema do carro é você, que você deve ser substituído em vez de educado e bem treinado. Em nenhuma outra época os preconceitos, os tabus,  o louvor a ditadores, a agressão a quem pensa diferente foi tratada abertamente como algo legítimo; até os anos noventa, gente assim era chamada de idiota em público. Hoje é só defensor de suas verdades bla-bla-bla e mimimi. Hitler usou "suas verdades" para justificar o que fez, viu!

  Está tudo uma droga, mas com rótulo de progressismo e esperança, para eles é o que vale.


  Não é de se admirar também, que as grandes montadoras americanas tenham voltado a fabricar peças, com tecnologias e padrão de usinagens modernos, de alguns de seus clássicos. Já é possível montar com peças novas e de fábrica, um Ford 1932, um Mustang Boss 1967, um Challenger 1969,um Camaro 1969, os gloriosos Bel Air de 1955 a 1957, entre outros. Pode comprar peças, ou encomendar o carro pronto, personalizado ao teu gosto. Custam cerca de cem mil dólares, os carros prontos para rodar, mas vendem, e vendem bem. Parece loucura, não? Mas não é. é a troca de uma cela segura pelos riscos de uma vida feliz... Nossa, que piegas! Adorei esta parte!


  Há ainda as tradicionais fábricas de kits, réplicas e estilizados, que vendem carrocerias de fibra de vidro ou carbono, além das de alumínio. O preço do carro completo é o mesmo dos clássicos, mas aqui o grau de personalização é muito maior. Pode-se comprar um Auburn ou Bugati boat tail com motor moderno, Chevy, Ford, Mopar ou até Maserati; este talvez o único motor italiano que eu respeito. Se as grandes montadoras não derem nos fundilhos dos covardes dos departamentos de marketing, serão facilmente substituídas a longo prazo por esses pequenos fabricantes!

  Finalizando, tenham na ponta da língua uma resposta pronta e seca para os paspalhos que não só vivem nessa bolha de aparente felicidade, mas querem te obrigar a entrar nela e detratam tanto teu modo de vida como o teu carro antigo: NINGUÉM ESTÁ TE OBRIGANDO A ENTRAR NO MEU CARRO. FIQUE NO SEU E NA SUA. Pode parecer mal educado, mas as pessoas estão desaprendendo a ler entrelinhas e respeitar negativas educadas.

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