segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Os belos e tristes anos 1930

Joan Crawford 1930s

  Quem já assistiu a alguns episódios da animação Batman, se deparou com a arquitetura grandiosa e austera de Gothan City. Bem, criado em maio de 1939, o personagem é um resumo pop épico dos anos 1930. Uma década bipolar por excelência. Vamos a ela.

Falimos, só deu para comprar este.

  Após a quarta-feira negra, que jogou o mundo inteiro em um abismo econômico, interrompendo uma era de prosperidade meramente especulativa, como aconteceu de novo no início deste século, o mundo mergulhou em uma era de pessimismo extremo. Pessimismo esse que só tem par com o pessimismo do início deste século; sim, caros leitores, nós somos mestres em cometer erros com os quais deveríamos ter aprendido da primeira vez por todas. Só diferencia o contexto, o erro é quase sempre o mesmo.

  O mundo não foi à falência e o dinheiro não desapareceu, mas quem o tinha ficou com muito medo de investir, já que na época, todas as nações estavam ligadas à ciranda financeira que desestruturou tudo; como hoje. Não é à toa que a Dell fechou seu capital. Ou seja, encontrar uma manufatura, uma cultura agrícola ou mesmo um investimento financeiro confiável era uma tarefa ingrata, especialmente para este último. O resultado já sabemos, o dinheiro parado fez falta e o planeta inteiro mergulhou na recessão. Foi tão bravo que para manter o preço do café estável, Vargas mandou usar os grãos como combustível de locomotiva a fim de reduzir a oferta da bebida. Nossas ferrovias nunca foram tão perfumadas, admitamos.

  As conseqüências disso, além das privações e dos suicídios, foram sentidas drástica e rapidamente pela população, que incorporou a crise à sua vida cotidiana. A arquitetura abandonou de vez os últimos laços com a bélle époque, que só foi bela para quem podia pagar. Os detalhes art nouveau, e até os remanescentes classissistas desapareceram quase que totalmente das novas construções. O art déco, que já tinha ganhado adeptos desde pouco antes do fatídico ano de 1929, tornou-se o estilo oficial dos anos 1930; não só na arquitetura, mas nos carros, nas roupas e em praticamente tudo.

Edifício Chrysler, Nova Iorque
  Em uma tentativa subconsciente de animar as pessoas, talvez de acender uma faísca e trazê-la um pouco para cá da linha do suicídio, o art déco prima pela luminosidade das janelas amplas e pelas cores pastéis vibrantes nos interiores, em contraste com seu desenho austero e quase pessimista, além dos detalhes decorativos que lembram quase sempre uma alvorada. Quando as linhas se encontram em ângulos, eles são simples, não raro bem abertos, nesses casos é comum haver linhas simétricas e círculos bem centralizados, feitos com a massa do acabamento.

  Um edifício art déco por excelência parece estar sempre em fase de brotamento, crescendo ou avançando, novamente uma tentativa subconsciente de encorajar o mundo a trabalhar para superar a fase ruim, que ainda hoje não tem comparação. O Edifício Chrysler e o Empire State Building são os maiores expoentes mundiais desse estilo, no Brasil se destaca o histórico Edifício do Banespa, em São Paulo. O Banespa não existe mais, claro, mas o edifício continua lá, firme e forte.

  As residências neste estilo costumam ter uma beleza rara, mesmo as mais humildes. Suas curvas suaves, que arrematam retas longas e formam desenhos que
Fonte: City Data - Forum
remetem à alta eficiência, dão o tom da mentalidade que se instalou. Para quem não sabe, o Centro-Oeste e o Nordeste ainda são ricos em casas residenciais art déco. A ostentação, em uma época tão dura, passou a ser mal vista. Não que mansões e prédios suntuosos não tivessem brotado aos montes, como os que citei, mas os excessos de detalhes meramente decorativos passaram a ser vistos como desperdício, fazendo os arquitetos pensarem duas vezes antes de preencher uma parede externa. Quando o fazia, quase sempre era com reforços estruturais externos; aquelas nervuras que alguns prédios da época têm, e que costumam ir até depois do telhado.

  Os automóveis começaram a abandonar de vez, à única exceção talvez dos ingleses mais caros, a configuração de para-lamas totalmente destacados da carroceria e radiador aparente. O radiador é uma peça frágil e vital para o motor, exceto os refrigerados a ar, se ele for danificado o prejuízo pode ser muito alto. Prejuízo era quase como que xingar a mãe, naquela época.


  Os carros tinham, então, uma aerodinâmica tão ruim, que eram mais eficientes andando de ré do que para frente. O Airflow, apesar de ter sido um fracasso de vendas, por ser muito avançado para a época, ditou o estilo dos carros fabricados a partir de então. Os para-brisas foram inclinados, os para-lamas integrados ao corpo do carro, as linhas frontais foram suavizadas e os faróis, quando não eram embutidos, vinham com carcaças em forma de gota, para minimizar o arrasto, que é a geração de turbulência que um carro em marcha produz.

Ilustração de 1938
  O Fusca, diga-se de passagem, levou ao extremo a otimização da eficiência com a funcionalidade. Embora seu desenvolvimento tenha custado uma boa fatia do PIB alemão, bem feito para os nazistas, o carrinho com motor judeu tinha metade do arrasto aerodinâmico e um terço do peso dos carros médios de então. Os primeiros modelos eram de uma racionalidade radical, tão frugais que os bancos eram tecidos acolchoados e esticados em estruturas metálicas, o que até ampliava o escasso espaço interno. Ele foi totalmente desenvolvido para não dar problemas, testado sem dó pela Gestapo, ou seja, completamente dentro do espírito de austeridade da época. O melhor é que a Alemanha só usufruiu dele quando tomou juízo, ainda que da pior forma... Fazer o quê, se só aprendemos levando na tête?

Phanton Corsair 1938

  O Phanton Corsair, um conceito de 1938, levou essa busca pela aerodinâmica ao extremo, no estilo da época, como resultado, atingia uma velocidade perigosíssima para os padrões de segurança da década, cerca de 200km/h. Ao contrário de muitos conceitos posteriores, porém, era uma proposta plenamente utilizável, apesar de muito ousada. Ter algo só por ter, para ficar guardado em algum cômodo fechado, estava fora de cogitação para a maioria absoluta, e era visto como uma avareza de muito mau gosto. É bonito e vistoso? Então deixe o mundo se deslumbrar, oras!

  Com as roupas não foi diferente. A industrialização mundial era maciça já naquela época, mas não estava amadurecida, não fazia os milagres que os materiais e a cibernética de hoje permitem. Os últimos moldes de saias volumosas e pesadas que vigoravam até o início dos anos 1920, desapareceram dos magazines, ficando restritos às costureiras com clientela mais conservadora e masoquista; não um ou outro, mas ambos.

Do fim dos anos 30 até os 50, isso era comum.

  Os novos cortes valorizavam uma silhueta longilínea, elegante e austera, que fizesse render ao máximo a fazenda empregada na confecção da peça. Os estilistas tiveram que se virar para dar glamour às suas criações. Pouco podendo contar com as saias amplas e fluídas, o emprego de mais mão de obra substituiu os metros de tecido de outrora, porque uma saia mais justa não podia ser muito longa, não para o uso cotidiano. As várias camadas de lingerie deram lugar à singela anágua, que prevenia dissabores no caso de um tombo ou uma ventania marota. Mas em dias maias quentes e com afazeres pela frente, não tinha jeito, às vezes a bendita anágua era esquecida ou mesmo deixada de lado, e nem sempre elas se lembravam disso. Quando viam já era tarde. Os cortes mais práticos e curto duraram muito, como veremos mais adiante. E sim, já havia algo que pudesse ser chamado de minissaia, mas é outra história.

Estilo em larga escala, para o desespero das aristocratas.

   Claro que as roupas de festa fugiam, mas não estavam imunes à regra da crise. Os vestidos de ombros nus e caídos no corpo, tomaram o lugar das franjas e babados enormes dos anos 1920. Por mais bonito que possam ser, e são realmente muito, vestidos longos que desnudam as formas e deixam os movimentos à vontade têm seu ar pessimista, podem ser vistos como a abdicação aos ornamentos desnecessários e a revelação das coisas como elas realmente são, já que muitos heróis nacionais faliram e até se mataram, após a quebra da bolsa.

  Os pregueados e as dobras geométricas se tornaram o padrão de saias e vestidos mais elaborados e caros, em uma época de maquinário ainda carente de precisão. E não é que eles conseguiram? Uma saia comum, mesmo na altura das panturrilhas, conseguia alongar o corpo como nenhum "estilista" contemporâneo consegue com os perigosos saltos plataforma, especialmente porque os saltos de então eram quase sempre bem baixos.

Corte austero, mas com cores fartas e vibrantes.

  A cintura bem marcada, item de elegância que durou décadas, ajudava a separar visualmente o abdômen das partes baixas, acentuando não só o alongamento das pernas, como dando mais amplitude ao busto e aos ombros. O resultado é que qualquer detalhe na blusa ou no tailleur fazia diferença de longe. Posso dizer que foi a era de ouro das golas, na idade contemporânea, muitas vezes era só o que diferenciava duas peças feitas em larga escala, e conseguia diferenciar bastante. A indústria têxtil percebeu isso de imediato, e caprichou nas golas e nas mangas, que passaram a quebrar o corte retilíneo dos ombros com bufantes, que mesmo mais discretos do que os de vinte anos antes, ficavam em clara evidência, dando um aspecto mais robusto e bem disposto à mulher da época. Se pareciam com bonecas, mas bonecas vivas, que tinham que lidar com as privações de uma década situada entre uma recessão violenta e o maior conflito armado da história. Tensões diplomáticas pipocavam pela Europa, especialmente pelas mãos de quem queria ser o líder do mundo, e o lunático não era só um.

 
  Os chapéus, que eram quase candelabros para a cabeça, assim como as cartolas eram como uma declaração de poder e riqueza, imitando as chaminés das fábricas, também sofreram restrições de material. Embora o charme e a distinção tivessem sobrevivido, os masculinos passaram a ficar quase rentes ao topo da cabeça, quando muito com uma faixa de outro tom e curvaturas na aba. Os femininos foram mais criativos, com abas de vários tamanhos, às vezes excêntricas ao corpo do chapéu, que não raro era apenas um pequeno enfeite para não empobrecer o visual. A aba, quando havia, ficava para frente,cumprindo sua função. E claro que a redução do tamanho da peça tornava seu usuário visualmente maior e mais vistoso, uma mensagem subliminar de optimismo, talvez. Os cortes de cabelo, porém, pouco mudaram, já eram práticos o suficiente.

  A busca por uma silhueta mais esbelta e atlética tinha também a ver com a crise mundial. Ostentar muita fofura em tempos de fome, mesmo para os mais abastados, deixou de ser sinônimo de prosperidade para ser de desleixo. Um rico desleixado com a própria aparência, ao contrário do que acontece hoje, não era bem visto. Até os anos setenta, mesmo os pobres que descuidassem da balança eram motivos de pilhéria. Gente com aspecto atlético era vista como mais apta ao trabalho árduo, fosse muscular ou intelectual, que no caso significava liderar uma equipe. Sim, muito mais do que hoje, uma aparência bem cuidada contava pontos e dólares a mais, na hora de conseguir um emprego.

  Um contra, para o gosto da época era que já não bastava mais ver uma mulher usando uma roupa idêntica à sua, passou-se a ver mulheres com roupas idênticas e com acabamento inferior, já que o estilo sofisticado era copiado em larga escala, mas com material mais barato. Sim, claro, o padrão de qualidade de então era muito superior ao de hoje, um \acabamento de boa qualidade, feito em 1936 põe quase todas as peças caras de 2013 na ralé da moda.

  Foi a época de proliferação dos catálogos de venda postal, que dispensavam o ônus de uma loja, que além de reduzir custos, atendia à clientela dos rincões desabastecidos pelas grandes grifes. Não foi maldade das confecções, foi instinto de sobrevivência. Quem não se adequou, quebrou.

  Preciso dizer que mesmo com todas essas dificuldades, as pessoas conseguiam ser felizes? Não, os leitores habituais estão cansados de ler. Já é comum um fedelho ir ao facebook para xingar os pais em público, porque o "iPhone" que pediu era preto, mas eles deram um branco.

  Quem teve coragem de enfrentar a vida como ela se apresentou, conseguiu levar sua existência melhor do que muitos de nós hoje. Todas as facilidades que temos hoje, que só servem para nos deixar ansiosos e intolerantes com qualquer falta, para eles não fez absolutamente falta alguma. Se funcionou? Vocês não estariam lendo isto, se não tivesse funcionado. Foi uma década massacrante, que precedeu outra pior, mas eles não podiam parar por causa da depressão, trabalhavam deprimidos mesmo.

  Bem, então veio a guerra e destrambelhou tudo. Embora os esforços bélicos tenham gerado muitos postos de trabalho, só a América saiu ganhando com o conflito, porque o Velho Mundo teve suas últimas fibras de sanidade e amor à vida postas à prova. As saias ficaram mais curtas, para as mulheres trabalharem melhor, os recursos ficaram mais escassos, tinta de fita velha de máquina de escrever chegou a ser usada como maquiagem... Enfim, esta é uma outra história e fica para outra ocasião, que o texto já ficou grande.