segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Os belos e tristes anos 1930

Joan Crawford 1930s

  Quem já assistiu a alguns episódios da animação Batman, se deparou com a arquitetura grandiosa e austera de Gothan City. Bem, criado em maio de 1939, o personagem é um resumo pop épico dos anos 1930. Uma década bipolar por excelência. Vamos a ela.

Falimos, só deu para comprar este.

  Após a quarta-feira negra, que jogou o mundo inteiro em um abismo econômico, interrompendo uma era de prosperidade meramente especulativa, como aconteceu de novo no início deste século, o mundo mergulhou em uma era de pessimismo extremo. Pessimismo esse que só tem par com o pessimismo do início deste século; sim, caros leitores, nós somos mestres em cometer erros com os quais deveríamos ter aprendido da primeira vez por todas. Só diferencia o contexto, o erro é quase sempre o mesmo.

  O mundo não foi à falência e o dinheiro não desapareceu, mas quem o tinha ficou com muito medo de investir, já que na época, todas as nações estavam ligadas à ciranda financeira que desestruturou tudo; como hoje. Não é à toa que a Dell fechou seu capital. Ou seja, encontrar uma manufatura, uma cultura agrícola ou mesmo um investimento financeiro confiável era uma tarefa ingrata, especialmente para este último. O resultado já sabemos, o dinheiro parado fez falta e o planeta inteiro mergulhou na recessão. Foi tão bravo que para manter o preço do café estável, Vargas mandou usar os grãos como combustível de locomotiva a fim de reduzir a oferta da bebida. Nossas ferrovias nunca foram tão perfumadas, admitamos.

  As conseqüências disso, além das privações e dos suicídios, foram sentidas drástica e rapidamente pela população, que incorporou a crise à sua vida cotidiana. A arquitetura abandonou de vez os últimos laços com a bélle époque, que só foi bela para quem podia pagar. Os detalhes art nouveau, e até os remanescentes classissistas desapareceram quase que totalmente das novas construções. O art déco, que já tinha ganhado adeptos desde pouco antes do fatídico ano de 1929, tornou-se o estilo oficial dos anos 1930; não só na arquitetura, mas nos carros, nas roupas e em praticamente tudo.

Edifício Chrysler, Nova Iorque
  Em uma tentativa subconsciente de animar as pessoas, talvez de acender uma faísca e trazê-la um pouco para cá da linha do suicídio, o art déco prima pela luminosidade das janelas amplas e pelas cores pastéis vibrantes nos interiores, em contraste com seu desenho austero e quase pessimista, além dos detalhes decorativos que lembram quase sempre uma alvorada. Quando as linhas se encontram em ângulos, eles são simples, não raro bem abertos, nesses casos é comum haver linhas simétricas e círculos bem centralizados, feitos com a massa do acabamento.

  Um edifício art déco por excelência parece estar sempre em fase de brotamento, crescendo ou avançando, novamente uma tentativa subconsciente de encorajar o mundo a trabalhar para superar a fase ruim, que ainda hoje não tem comparação. O Edifício Chrysler e o Empire State Building são os maiores expoentes mundiais desse estilo, no Brasil se destaca o histórico Edifício do Banespa, em São Paulo. O Banespa não existe mais, claro, mas o edifício continua lá, firme e forte.

  As residências neste estilo costumam ter uma beleza rara, mesmo as mais humildes. Suas curvas suaves, que arrematam retas longas e formam desenhos que
Fonte: City Data - Forum
remetem à alta eficiência, dão o tom da mentalidade que se instalou. Para quem não sabe, o Centro-Oeste e o Nordeste ainda são ricos em casas residenciais art déco. A ostentação, em uma época tão dura, passou a ser mal vista. Não que mansões e prédios suntuosos não tivessem brotado aos montes, como os que citei, mas os excessos de detalhes meramente decorativos passaram a ser vistos como desperdício, fazendo os arquitetos pensarem duas vezes antes de preencher uma parede externa. Quando o fazia, quase sempre era com reforços estruturais externos; aquelas nervuras que alguns prédios da época têm, e que costumam ir até depois do telhado.

  Os automóveis começaram a abandonar de vez, à única exceção talvez dos ingleses mais caros, a configuração de para-lamas totalmente destacados da carroceria e radiador aparente. O radiador é uma peça frágil e vital para o motor, exceto os refrigerados a ar, se ele for danificado o prejuízo pode ser muito alto. Prejuízo era quase como que xingar a mãe, naquela época.


  Os carros tinham, então, uma aerodinâmica tão ruim, que eram mais eficientes andando de ré do que para frente. O Airflow, apesar de ter sido um fracasso de vendas, por ser muito avançado para a época, ditou o estilo dos carros fabricados a partir de então. Os para-brisas foram inclinados, os para-lamas integrados ao corpo do carro, as linhas frontais foram suavizadas e os faróis, quando não eram embutidos, vinham com carcaças em forma de gota, para minimizar o arrasto, que é a geração de turbulência que um carro em marcha produz.

Ilustração de 1938
  O Fusca, diga-se de passagem, levou ao extremo a otimização da eficiência com a funcionalidade. Embora seu desenvolvimento tenha custado uma boa fatia do PIB alemão, bem feito para os nazistas, o carrinho com motor judeu tinha metade do arrasto aerodinâmico e um terço do peso dos carros médios de então. Os primeiros modelos eram de uma racionalidade radical, tão frugais que os bancos eram tecidos acolchoados e esticados em estruturas metálicas, o que até ampliava o escasso espaço interno. Ele foi totalmente desenvolvido para não dar problemas, testado sem dó pela Gestapo, ou seja, completamente dentro do espírito de austeridade da época. O melhor é que a Alemanha só usufruiu dele quando tomou juízo, ainda que da pior forma... Fazer o quê, se só aprendemos levando na tête?

Phanton Corsair 1938

  O Phanton Corsair, um conceito de 1938, levou essa busca pela aerodinâmica ao extremo, no estilo da época, como resultado, atingia uma velocidade perigosíssima para os padrões de segurança da década, cerca de 200km/h. Ao contrário de muitos conceitos posteriores, porém, era uma proposta plenamente utilizável, apesar de muito ousada. Ter algo só por ter, para ficar guardado em algum cômodo fechado, estava fora de cogitação para a maioria absoluta, e era visto como uma avareza de muito mau gosto. É bonito e vistoso? Então deixe o mundo se deslumbrar, oras!

  Com as roupas não foi diferente. A industrialização mundial era maciça já naquela época, mas não estava amadurecida, não fazia os milagres que os materiais e a cibernética de hoje permitem. Os últimos moldes de saias volumosas e pesadas que vigoravam até o início dos anos 1920, desapareceram dos magazines, ficando restritos às costureiras com clientela mais conservadora e masoquista; não um ou outro, mas ambos.

Do fim dos anos 30 até os 50, isso era comum.

  Os novos cortes valorizavam uma silhueta longilínea, elegante e austera, que fizesse render ao máximo a fazenda empregada na confecção da peça. Os estilistas tiveram que se virar para dar glamour às suas criações. Pouco podendo contar com as saias amplas e fluídas, o emprego de mais mão de obra substituiu os metros de tecido de outrora, porque uma saia mais justa não podia ser muito longa, não para o uso cotidiano. As várias camadas de lingerie deram lugar à singela anágua, que prevenia dissabores no caso de um tombo ou uma ventania marota. Mas em dias maias quentes e com afazeres pela frente, não tinha jeito, às vezes a bendita anágua era esquecida ou mesmo deixada de lado, e nem sempre elas se lembravam disso. Quando viam já era tarde. Os cortes mais práticos e curto duraram muito, como veremos mais adiante. E sim, já havia algo que pudesse ser chamado de minissaia, mas é outra história.

Estilo em larga escala, para o desespero das aristocratas.

   Claro que as roupas de festa fugiam, mas não estavam imunes à regra da crise. Os vestidos de ombros nus e caídos no corpo, tomaram o lugar das franjas e babados enormes dos anos 1920. Por mais bonito que possam ser, e são realmente muito, vestidos longos que desnudam as formas e deixam os movimentos à vontade têm seu ar pessimista, podem ser vistos como a abdicação aos ornamentos desnecessários e a revelação das coisas como elas realmente são, já que muitos heróis nacionais faliram e até se mataram, após a quebra da bolsa.

  Os pregueados e as dobras geométricas se tornaram o padrão de saias e vestidos mais elaborados e caros, em uma época de maquinário ainda carente de precisão. E não é que eles conseguiram? Uma saia comum, mesmo na altura das panturrilhas, conseguia alongar o corpo como nenhum "estilista" contemporâneo consegue com os perigosos saltos plataforma, especialmente porque os saltos de então eram quase sempre bem baixos.

Corte austero, mas com cores fartas e vibrantes.

  A cintura bem marcada, item de elegância que durou décadas, ajudava a separar visualmente o abdômen das partes baixas, acentuando não só o alongamento das pernas, como dando mais amplitude ao busto e aos ombros. O resultado é que qualquer detalhe na blusa ou no tailleur fazia diferença de longe. Posso dizer que foi a era de ouro das golas, na idade contemporânea, muitas vezes era só o que diferenciava duas peças feitas em larga escala, e conseguia diferenciar bastante. A indústria têxtil percebeu isso de imediato, e caprichou nas golas e nas mangas, que passaram a quebrar o corte retilíneo dos ombros com bufantes, que mesmo mais discretos do que os de vinte anos antes, ficavam em clara evidência, dando um aspecto mais robusto e bem disposto à mulher da época. Se pareciam com bonecas, mas bonecas vivas, que tinham que lidar com as privações de uma década situada entre uma recessão violenta e o maior conflito armado da história. Tensões diplomáticas pipocavam pela Europa, especialmente pelas mãos de quem queria ser o líder do mundo, e o lunático não era só um.

 
  Os chapéus, que eram quase candelabros para a cabeça, assim como as cartolas eram como uma declaração de poder e riqueza, imitando as chaminés das fábricas, também sofreram restrições de material. Embora o charme e a distinção tivessem sobrevivido, os masculinos passaram a ficar quase rentes ao topo da cabeça, quando muito com uma faixa de outro tom e curvaturas na aba. Os femininos foram mais criativos, com abas de vários tamanhos, às vezes excêntricas ao corpo do chapéu, que não raro era apenas um pequeno enfeite para não empobrecer o visual. A aba, quando havia, ficava para frente,cumprindo sua função. E claro que a redução do tamanho da peça tornava seu usuário visualmente maior e mais vistoso, uma mensagem subliminar de optimismo, talvez. Os cortes de cabelo, porém, pouco mudaram, já eram práticos o suficiente.

  A busca por uma silhueta mais esbelta e atlética tinha também a ver com a crise mundial. Ostentar muita fofura em tempos de fome, mesmo para os mais abastados, deixou de ser sinônimo de prosperidade para ser de desleixo. Um rico desleixado com a própria aparência, ao contrário do que acontece hoje, não era bem visto. Até os anos setenta, mesmo os pobres que descuidassem da balança eram motivos de pilhéria. Gente com aspecto atlético era vista como mais apta ao trabalho árduo, fosse muscular ou intelectual, que no caso significava liderar uma equipe. Sim, muito mais do que hoje, uma aparência bem cuidada contava pontos e dólares a mais, na hora de conseguir um emprego.

  Um contra, para o gosto da época era que já não bastava mais ver uma mulher usando uma roupa idêntica à sua, passou-se a ver mulheres com roupas idênticas e com acabamento inferior, já que o estilo sofisticado era copiado em larga escala, mas com material mais barato. Sim, claro, o padrão de qualidade de então era muito superior ao de hoje, um \acabamento de boa qualidade, feito em 1936 põe quase todas as peças caras de 2013 na ralé da moda.

  Foi a época de proliferação dos catálogos de venda postal, que dispensavam o ônus de uma loja, que além de reduzir custos, atendia à clientela dos rincões desabastecidos pelas grandes grifes. Não foi maldade das confecções, foi instinto de sobrevivência. Quem não se adequou, quebrou.

  Preciso dizer que mesmo com todas essas dificuldades, as pessoas conseguiam ser felizes? Não, os leitores habituais estão cansados de ler. Já é comum um fedelho ir ao facebook para xingar os pais em público, porque o "iPhone" que pediu era preto, mas eles deram um branco.

  Quem teve coragem de enfrentar a vida como ela se apresentou, conseguiu levar sua existência melhor do que muitos de nós hoje. Todas as facilidades que temos hoje, que só servem para nos deixar ansiosos e intolerantes com qualquer falta, para eles não fez absolutamente falta alguma. Se funcionou? Vocês não estariam lendo isto, se não tivesse funcionado. Foi uma década massacrante, que precedeu outra pior, mas eles não podiam parar por causa da depressão, trabalhavam deprimidos mesmo.

  Bem, então veio a guerra e destrambelhou tudo. Embora os esforços bélicos tenham gerado muitos postos de trabalho, só a América saiu ganhando com o conflito, porque o Velho Mundo teve suas últimas fibras de sanidade e amor à vida postas à prova. As saias ficaram mais curtas, para as mulheres trabalharem melhor, os recursos ficaram mais escassos, tinta de fita velha de máquina de escrever chegou a ser usada como maquiagem... Enfim, esta é uma outra história e fica para outra ocasião, que o texto já ficou grande.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Dica de blog - Estilo Retrô Rock


Um blog charmoso, administrado por Aline Lacroc, com publicações de leitura fácil e rápida, até porque os textos são relativamente curtos. Sem a carga técnica que eu costumo imprimir nos meus, o que dificulta a leitura para muita gente, eu reconheço, mas é como sei escrever.

Aline foca muito mais as imagens, com comentários leves e divertidos, tanto quanto os temas escolhidos e a maneira com que os apresenta. Parece ser bem jovem.

A publicação mais recente, aliás, tem um breve e alegre comentário de cabeçalho, que convida a ver vídeos de mulheres que passaram a se vestir cotidianamente como nos anos quarenta e cinqüenta, inclusive uma dona que casa que foi gótica na adolescência. Se demoraste a ver este artigo, clique aqui e veja.

A administradora se dedica! Ela demonstra isso em cada detalhe, inclusive na organização exemplar de seu blog, com seis páginas bem organizadas e bem denominadas, evitando qualquer chance de equívocos. Uma dedicação quase maternal, que eu gostaria de poder dedicar aos meus.

Sem mais, além de um dos vídeos da postagem citada, cliquem aqui e se divirtam.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Doris Mayday; Minha casa, minha década


Diz o ditado, "Mais vale uma vontade do que um caminhão de abóbora". Não rima, mas ilustra muito bem a vida da jovem americana Doris Mayday. Desde os treze, quando comprou um vestido retrô cinqüentista, que é fascinada pela décda de cinqüenta, especialmente o segundo terço dela, que simplesmente rege a sua vida. A partir dos dezesseis, ela simplesmente saiu do armário e se assumiu cinqüentista em público... Um escândalo!

Se dando o direito de viver como quer, Doris transformou sua própria casa em uma bolha cinqüentista, desde a decoração, rádio, televisão, mobília, até sua indumentaria, passando pela maquiagem e até mesmo o carro, um lindíssimo Bel Air conversível ano 1955. Nenhum carro incorpora melhor o apogeu dos anos dourados, do que um Bel Air.


Fonte: Verônica Vintage
 A obsessão chega ao ponto de ela vestir sacolas plásticas, para vestir os pés no rigoroso inverno, a utilizar os sapatos de neve modernos. Prefere sentir dor, com o frio, a perder a classe. É com roupas da década que ela circula por Pasadena, na Califórnia. Seu namorado, que também é adepto do estilo de época, considera um exagero, até meio constrangedor vê-la saindo de sacola nos pés.

Seus lugares preferidos, claro, são os que já existiam na época, e os estabelecimentos com decoração retrô. A moça é freqüentadora de feiras e eventos vintage, onde encontra o seu mundo fora de casa.

Como não poderia deixar de ser, as revistas especializadas também a enxergaram como a The Pin Up Magazine, aqui, para a qual fez poses e foi estampada em páginas inteiras. São coisas que ainda não temos no Brasil, não com o profissionalismo dos americanos.

A obsessão pelos anos cinqüenta, diga-se de passagem, é algo muito comum entre os americanos. Foi a época em que o país parecia estar no caminho certo, e em que o americano típico, tido como um caipira metropolitano, tentou pela primeira vez, e com mais esforço, ser um povo gentil. É por isso que a estética já bastante refinada da época, lhes parece tão mais bela e está tão arraigada no subconsciente nacional.

 Voltando à bela... Ao contrário da maioria, que apenas gosta e brinca de vez em quando de anos cinqüenta, ela vive a época vinte e quatro horas por dia, rejeitando em sua intimidade, praticamente qualquer conforto inexistente quando então. e ela vive bem. Colecionadora de objectos da época, ela os utiliza no seu cotidiano, normalmente, como equipamento doméstico.

Um exagero, diria a maioria, mas o esmero e a naturalidade criaram um mundo autêntico. Quem viveu a época e vê Doris, a reconhece facilmente como elemento de época. Tudo em sua casa é resultado de pesquisa séria e muita paciência, algo raro em alguém tão jovem. Afinal, ela está vivendo à sua maneira, sendo ela mesma, autêntica, pagando o preço de sua autenticidade e abominando qualquer imposição da moda; vocês não adorariam que suas filhas fizessem isso? Então!

A vida que leva é mais cara, mas ela mesma se viabiliza, Doris é modelo vintage. Como pode ser visto em seu ficheiro no Model Mayhem, aqui, ela se vale de seus 64kg, distribuídos em 1,73m para ser ela mesma, e ser paga para isso. E ainda pode usar sua casa como cenário. Na coluna à esquerda de sua ficha, com seus detalhes, ela deixa claro que não faz nus. As medidas podem parecer ridículas, para a apologia à anorexia que permeia a imprensa da moda, mas aspecto saudável faz parte dos padrões estéticos da época. Ainda mais para o estilo "mulher comum", que ela encarna com perfeição, como se tivesse sido congelada em 1955 e reanimada nestes anos dez.

Há uma entrevista detalhada com ela, no Engaging Reality, aqui, feita depois que ela foi mostrada no programa My Crazy Obsession, em cujo auditório vestia um encantador vestido estampado, cor de rosa, e usava uma delicada rede azul no cabelo.

Fonte: Vestige Photography, facebook
Uma lição nós podemos tirar, da iniciativa de Doris, é sim possível viver neste mundo sem ser falso. Ela ouviu críticas, muitas críticas, a maioria fruto de puro preconceito. Mas viver a América em sua época mais esplendorosa, e em que ao mesmo tempo começara a acordar para o mundo, com todas as dificuldades comparativas ao mundo moderno, é uma atitude de respeito consigo mesma. Acreditar e não viver, já dizia o profeta, é desonesto. Este era o espírito que movia o mundo da época.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A Era do Rádio não acabou

Fonte: http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-457926333-raro-zenith-4v31-_JM


Houve época em que imagem em 3D era truque de óculos coloridos de cinemas, que praticamente não existiam no Brasil. Época em que cinema levado à sério, era só em preto e branco, cinema em cores era para anúncios comerciais ou para desenho animado. Nessa época, a mídia era escrita ou sonora, nada além disso.

Se aos mais jovens, que nasceram filmados pela câmera de um celular, este cenário parece aterrador, para a época era um grande feito tecnológico. Na realidade, muito desta época ainda persiste. Apesar de todas as ameaças, o rádio vive, vigora e ainda prospera.

Anos 20. fonte: http://www.vintageperiods.com/
Mas, ao contrário de hoje, até os anos sessenta ele era quase onipresente nos lares brasileiros. Antes de ser quase que só importado, feito por mão-de-obra semiescrava, aparelhos Admiral, Crosley, Philips, Philco, Motoradio, Cineral e outros, se encarregavam de comunicar, informar e entreter o público. Vocês não imaginam o espetáculo que é um Motoradio de sete faixas, ele consegue captar com som cristalino, praticamente qualquer estação de rádio de qualquer parte do mundo; já ouvi conversas e músicas em árabe e até japonês, em um desses. E, diga-se de passagem, a transmissão chegava cristalina como muitos sons modernos não conseguem de estações de dentro da cidade. Ainda hoje se fabrica o aparelho, vale à pena ter um.

Assim como os computadores, o rádio nasceu valvulado. Era interessante ligar um, porque as válvulas são como lâmpadas incandescentes, elas iluminam e esquentam muito. Ao contrário dos rádios transistorizados, os valvulados demoram um pouco para funcionar, porque precisam ficar quentes, igual ferro de passar roupa. No verão ficava-se mais distante, no frio ia todo mundo para junto do rádio. Em algumas regiões, as válvulas eram chamadas de velas; como em Goiás.

Crosley Gigante, anos 30. Fonte: http://www.cincinnativiews.net/wlw_radio_tv.htm


Claro que o consumo de energia é tão grande quanto o calor gerado. Tanto que os primeiros rádios automotivos, também valvulados e muito caros, não podiam ficar ligados se o motor também não estivesse, sob o risco de se perder a bateria. Se ela perder mais de um terço da carga, há o risco de nunca mais funcionar direito. Eram acessórios opcionais dos carros mais caros, como Buick, Cadillac e Lincoln. Mas também, na época, tamanho era documento; rádio grande, consumo grande, mas também alcance grande e som mais limpo.

Eu me lembro desses rádios, não os automotivos, praticamente só existentes nos Estados Unidos, mas convivi com os domésticos. Peças muitas vezes belíssimas, que agradavam mesmo quando desligadas. Por isso mesmo havia mais cuidado estético, na hora de comprar, afinal era algo a ser apresentado às visitas, e que os donos da casa veriam facilmente todos os dias.

Por precisarem ser bem grandes e pesados, acabavam servindo de mobília estética. Por isso eram feitos de madeira bem trabalhada, geralmente serviço de carpintaria, com as telas feitas de tecidos bonitos e resistentes, que ficavam iluminadas assim que o rádio esquentava. Um espetáculo. Caro, mas um espetáculo.
Foram décadas para com o surgimento da transmissão digital, se conseguir igualar a qualidade sonora de um bom rádio à válvula, embora nem sempre a qualidade se mantenha... Lembrem-se, pelo baixo custo a qualquer custo, muitas marcas se recusam a saber sob que condições suas encomendas são fabricadas. Não se pode pedir que um funcionário maltratado faça um serviço perfeito.

O ponto fraco de um rádio valvulado, é justo a fonte de sua maior virtude; as válvulas. Por esquentarem muito, acabavam trabalhando como um fusível, que se queima quando passa energia demais. Os mais abastados tinham estoques de válvulas em casa, pois seus aparelhos acabavam ficando ligados o dia todo, por tabela seus componentes duravam pouco. Mas o rádio em si, que tem bem mais componentes do que as válvulas, é conhecido também pela sua durabilidade, que costuma ser maior do que a de seus proprietários.
Mas mesmo sendo relativamente caro, se comparado às porcarias feitas para não terem conserto, o rádio de válvulas foi um democrata. Havia desde os (relativamente) portáteis, que tinham uma só vela pequena e um autofalante miudinho, até os armários de sala, com quatro grandes e caras válvulas de vidro ou mais, com alto vácuo no seu interior, que corroborava para o alto preço. Mesmo os antigos rádios transistorizados, feitos para terem conserto em caso de avaria, costumam zombar do tempo e brindar o ouvinte com um som cristalino.

A gloriosa e saudosa ERA DO RÁDIO foi o divisor de águas, entre o que restava do século XIX, e o pleno século XX. Ela permitiu que qualquer povoado, nos rincões mais distantes e esquecidos, recebesse notícias do mundo quase que em tempo real. As ditaduras se esforçavam em censurar, não era à toa.
Rário-Relógio Generel Electric 1957. Fonte: http://rosalindwent.blogspot.com.br/2012/05/haul.html

Foi a época em que o racismo começou a ser mal visto pelas pessoas, mesmo as que eram racistas, porque começou-se a descobrir que aquela voz ma-ra-vi-lho-sa, aquelas palavras encantadoras, podiam ser de um negro ou um índio. É famoso o caso em que cerca de setenta mocorongos da ku-kux-klan cercaram uma estação, onde um negro apresentava um programa ao vivo, e levaram uma taca dos mais de trezentos jovens que estavam no auditório. Eu queria muito ter uma máquina do tempo, só para poder ver a cena.

Também é famoso um dos maiores episódios de histeria coletiva da história recente, em 30 de Outubro de 1938. A Columbia Broadcasting Radio Network estava transmitindo a narração da novela “The War of The Worlds”, e foi obrigada a desculpar-se. O narrador fez tudo com tamanho afã, foi tão convincente, narrando como em boletins jornalísticos, que as pessoas realmente acreditaram que a Terra estava sendo invadida por marcianos. Detalhes do episódio, ver aqui.

Murph Rário Transistor 8 1960s, Fonte: http://www.nzmuseums.co.nz/

A capacidade de coesão social do rádio transformou-o em um poderoso intermediador, a ponto de tradições terem nascido em sua função. Uma delas, mais breve do que o desejável, foi a das Rainhas do Rádio, que teve em Dalva de Oliveira, Marlene e Emilinha Borba suas mais gloriosas representantes. Precisava ter voz para fazer vibrar aquele microphone rudimentar. Foi o melhor embrião para os programas televisivos de auditório. Havia mais rivalidade entre marlenistas e emilistas, do que entre as duas.

Sony TR-1000, anos 60. Fonte http://www.televideo.ws/

Como os carros e toda a memorabilia, os rádios valvulados e os primeiros transistorizados, ficaram por muitos anos servindo apenas de ferro-velho. Os teimosos que insistiam em manter os seus, encontravam diviculdades para mantê-los, mas não se desfizeram e chegaram a acreditar, cada um, que eram os únicos no mundo a ter um daqueles. Mas havia muita gente que guardava os aparelhos, especialmente donos de velhas oficinas, onde os antigos donos deixavam os rádios, e de onde nunca mais buscavam. Vale a regra da sapataria: Se não buscar a encomenda até trinta dias depois do conserto, a peça será vendida para cobrir os custos. Só que quase ninguém queria saber daqueles rádios velhos, ainda mais com os novos, leves, econômicos e resistentes rádios transistor chegando às lojas. A obsolência foi rápida, a partir dos anos sessenta, mas a indústria de reposição e os teimosos, conseguiram preservar os rádios valvulados.

O advento do rádio-relógio, embora no começo parecesse um capricho, já que já existiam despertadores, acabou por manter a cabeça do rádio acima da água, durante o tempestuoso ataque da televisão. E acordar com boa música, convenhamos, é muito melhor do que com uma campainha estridente, que incomodará a casa inteira.



Eis que o próprio algoz, torna-se aliado e, presto! Donos de rádios antigos começam a se conhecer em feiras de antiguidades, depois em notas de jornais, depois em curtas reportagens televisivas, mas a cousa explodiu mesmo com a internet. Qualquer um pode encontrar um modelo e ano que lhe agrade e caiba no seu bolso, tomando os devidos cuidados, é claro.

Hoje, com o grosso do serviço feito, é fácil encontrar rádios antigos, especialmente nas feiras vintage e de antiguidades que proliferam pelo mundo. Também temos o fácil e perigoso negócio por sites de classificados, como o Mercado Livre. A maioria dos vendedores é honesta, mas entre estes, os malandros sabem se camuflar muito bem.

60/70s National Panasonic Rádio Relógio. Fonte: http://fish4junk.co.uk/

Dos antigos e charmosos rádios em estilo capelinha feitos de madeira entalhada, até os refinados de baquelite nacarada, dos anos cinqüenta e sessenta, a regra principal é: SÓ COMPRE SE FUNCIONAR NA SUA FRENTE. O que está nas photographias, pode muito bem ser outro producto de outro vendedor, ou até parde de um acervo que não está à venda. Só compre se puder ver, pegar, analisar, ouvir todas as estações que o aparelho puder receber.

Um rádio valvulado de madeira, grande e em perfeitas condições, como o Zenith 4v31 dos anos trinta, da primeira ilustração, encosta facilmente nos dois mil reais. É o caso em que compensa mandar um conhecido que more perto is ver, ou tu mesmo viajar até lá. Na volta, não seja muquirana, pague extra por um bom seguro e excesso de bagagem, para trazer o aparelho de volta consigo. Há, por exemplo, o caso de relíquias que justificam o nome, como o Crosley Giant, da ilustração, que em perfeitas condições, não tem preço, vale literalmente uma pequena fortuna. Não se transporta um desses em um caminhão qualquer, ainda menos nas nossas estradas.


Rádio Philco 70s. Fonte: http://campinas.olx.com.br/radio-antigo-anos-70-iid-460677864

Desconfie e fuja de preços baixos, porque um rádio antigo raramente é barato, se não for roubado ou não estiver em más condições. Quanto à manutenção, embora seja difícil, é perfeitamente exeqüível, pois ainda se fabricam válvulas, basta ter a mesma paciência que se deve ter para escolher e negociar um rádio, que vai valorizar de sobremaneira qualquer decoração, seja doméstica ou institucional.

Para quem quer apenas uma bela peça em estilo antigo, há muito que se fabricam aparelhos retrôs, que retratam todo o século XX. A maioria conta até com entrada USB, para pen-drive.

Finalmente, para quem estiver em Goiânia, recomendo a rádio que eu ouço todos os dias, a Executiva FM, 92,7 mHz. Quem gosta do que eu escrevo, vai gostar dela, Só se pede paciência, porque a distribuição eleitoreira de concessões, tornou muito difícil a sintonia manual, mas compensa, ah, como compensa!


 

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P.S: Desculpem pelos erros, já foram corrigidos. E o tópico ainda tem o que render, será retomado em tempo oportuno.