sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Divagações - Por que amamos o passado?


Caríssimos, quase dois meses depois, volto a publicar algo que vale à pena. Estou com problemas pessoais, dinheirais e doençais, motivo pelo qual tive, e ainda tenho, dificuldades em honrar com meus compromissos internauticos, neste e nos outros blogs. Tem blog de amigos, que não vejo há mais de um ano, e não encontro mais o link... Nem lembro mais os nomes... Vergonha...

Bem, para não ser perda total, vou contar alguns motivos pelos quais as pessoas tanto se encantam pelo passado. Não existe um motivo único e padrão, da mesma forma como duas pessoas que pleiteiem o mesmíssimo fim, não o fazem pelo mesmíssimo motivo, e por isso podem se desentender, quando finalmente o alcançam. O mais divulgado é, claro, a douração da pílula, que faz as pessoas acreditarem que tudo era melhor, que o mundo era perfeito, que tudo estava no seu devido lugar, que no Egito tínhamos pão em abundância e nos sentávamos à mesa, com panelas cheias de carne, mas você, Moisés, nos trouxe para morrermos de fome e sede neste deserto!


Infelizmente não é verdade, é só insegurança, na maioria absoluta dos casos, seja lá qual for o motivo da dita cuja; isto aqui não é um blog de psicoterapia, então vamos adiante. Se o passado tivesse sido tão próximo da perfeição, ainda estaríamos nele. Não parados no tempo, é claro, mas quase tudo de então ainda vigoraria, pois estariam todos satisfeitos. Mas a maioria das cousas, até a eclosão da cultura retrô-vintage, caiu no esquecimento por décadas, a ponto de um Landau já ter sido trocado por geladeira usada... Hoje um em perfeito estado, não sai por menos de setenta mil reais nem com a bênção papal. O problema vem, quando o apêgo se torna tão tenaz, que as pessoas se recusam a ver o que estava errado, o que melhorou e o que pode ser encaixado de bom, daquelas épocas, assim passando a atacar tudo o que se faz de novo, e culpando o novo por tudo o que há de ruim, mesmo por problemas milenares, que acabam se esquecendo que são pre existentes. Quase sempre, culpando as roupas femininas por todas as mazelas da humanidade... Só Freud mesmo!


Nos casos mais amenos, muitas pessoas se apegam à memória de infância, quando geralmente não se tem preocupação nenhuma, quando tudo está de bom tamanho, quando qualquer cousa serve para distrair e divertir, quando uma fruta ou um saquinho de balas é uma bela recompensa por um bom comportamento. Os pais tomando a frente, o dia mais curto e confortável, já que criança dorme mais mesmo, os productos para o público infantil naturalmente mais coloridos e simpáticos, et cétera. Uma cantora passa, então, a ser referência de talento e qualidade musical, mesmo que tenha sido apenas mediana, em sua época. Vamos ser francos, com os adultos cuidando de toda a parte chata e perigosa da vida, para a maioria era mesmo um paraíso. Aqui, também se corre o risco de tornar algo bom, altamente venenoso, com iminente intoxicação cronológica, cujos efeitos colateriais variam de indivíduo para indivíduo. Não tenho saudades da minha infância, então não é o meu caso.


Há o caso mais comum, de gente que simplesmente vê muito mais graça nas cousas de determinada época, do que nas das recentes. Até gostam de Artic Monkeys, mas dançam mesmo é ao som de The Zombies. Gostam de ver que o carro tem ABS, air bag, ARS, trio eléctrico, tela touch screen, mas não negam as qualidades e morrem de amores pelo Landau. É o caso da maioria dos antigomobilistas, das turmas que aderem à moda vintage, que reaqueceram o mercado das pin-ups clássicas e suas releituras, tiraram do esquecimento alguns intérpretes d'outrora, e pessoas que simplesmente se encontram no estilo vintage. Em parte, é o meu caso.

Há também o caso de pessoas que simplesmente acham legal. Olham aquelas roupas anos cinqüenta ou sessenta, vêem cartazes de época e gostam, mas não para incorporar à vida cotidiana, embora acabem se pegando com arranjos e adaptações retrô, sem querer, mas também sem neuras. Quando se dão conta, há um aparelho de som imitando madeira na cômoda, ou um vestidinho minimalista com lenço para cabelos na mesma cor. Em parte, também é o meu caso, mas eu já faço isso conscientemente.

Há ainda aqueles que, quase sempre inconscientemente, vêem no estudo de documentos, de vídeos, propagandas, filmes, músicas, enfim, aqueles que vêem no conhecimento pleno das décadas passadas, um modo de terem vivido lá e, de certa forma, estarem vivos desde então. É uma forma virtual de prolongar a vida, já que a sobrevida não pode ser esticada para trás, e muitas vezes nem para frente. Uma pessoa com razoável conhecimento do cotidiano do século XX, desde a bélle époque, pode se sentir centenário em um corpo de quarenta anos, por exemplo. Ver um vídeo de boa qualidade, ainda mais se for em cores, e há muitos dispóníveis pela internet, te dá a nítida impresão de que tudo aquilo aconteceu ontem, ou mesmo hoje cedo. Dá até para estranhar, quando se estica o pescoço para fora da janela, e se vê aquele desefile de carrinhos iquaizinhos e quase nas mesmas cores. Well, se eu já era adulto em 1947, então já estou beirando os cem anos de idade, se já não ultrapassei.

Por isso mesmo, sempre aconselho aos que me questionam, a não se aterem à sua época preferida, sempre recuar uns anos mais e ver no que deu tudo aquilo, de então até hoje. Esta atitude, dá um realismo maior na ilusão de se estar vivo há mais tempo, e ainda alimenta o senso crítico com o desenrolar da história. Um cidadão da época, não sabia de tudo o que acontecia, se muito, estava bem informado com noticiários e informações orais, então é totalmente desnecessário tornar-se um PhD na São Paulo dos anos quarenta, por exemplo. É desejável, mas acessório. Só jamais se atenha a meia dúzia de fontes, especialmente se forem de autores com a mesma linha de pensamento. Eu sei pouco, mas também tenho essa impressão de longevidade retroativa, então também é em parte o meu caso.


O único ponto pacífico, é que quem realmente tem o gene vintage incorporado aos seus cromossomos, não se importa com o estilo do outro... ou com a falta de estilo do outro. Quem é, o é porque se encontrou naquele cenário vivo d'outrora. Gente que freqüenta feiras vintage, não reclama tanto das roupas folgadonas dos rappers, pois se encontrou e não precisa que o outro vá aderir ao seu jeito de viver. É o caso dos steanpunks, que têm tudo para serem filhinhos mimados de classe média alta e alta, quebrando boates e espancando mendigos, mas têm presenteado o mundo com releituras e adaptações absolutamente belíssimas, como os computadores à bélle époque, quase sempre emoldurados com latão muito bem polido. São uma cultura quase silente, mas que tem crescido e gerado bons negócios, além de se consolidar com certa maturidade.

Deixo, para terminar o conselho dos sábio da antiguidade: Amar não é exigir reciprocidade, isso é cobrança por uma transação de troca. Amar é, na acepção da palavra, se doar. Quem ama, liberta. Deixe o passado livre, não tente obrigá-lo a voltar aos dias correntes, liberte-o e ele lhe será um amigo fiel.





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