segunda-feira, 2 de julho de 2012

Vida retrô - os diners


O que é um diner, basicamente? Um trailer grande adaptado para ser um restaurante barato. Mas o termo também é estendido às lanchonetes pré-fabricadas. Só isso? Tecnicamente, sim, mas não sou tecnicista e contarei a parte bonita da história.

O primeiro diner de que se tem registro surgiu em 1872, criado por Walter Scott, que era uma carroça que servia pequenas refeições. A praticidade e honestidade do serviço garantia os preços baixos, acessíveis aos trabalhadores da época. Como tudo o que é bom, nasceu da necessidade de alguém ganhar a vida e de outro alguém receber um serviço urgente, no caso, alimentar-se sem gastar muito. Daí a associação quase instantânea do diner com um prédio assemelhado a um veículo.

Fora do Brasil, carros e acessórios usados costumam ser baratos, desde sempre, tanto que lá fora é possível comprar um Cadillac De Ville ano 2000 em estado de zero quilômetro, e requintes que nenhum nacional sonha em ter, por menos de quinze mil reais, embora aqui o mesmo modelo e versão custe setenta paus, mesmo assim vantajoso em relação aos classe-média metidos à besta que nos vendem. Em suma, rodar nos Estados Unidos ainda hoje é relativamente barato. Não há a nossa burocracia estúpida, feita por ignorantes no assunto, para impedir que uma pessoa física construa seu ônibus, seu reboque, enfim, não se atrapalha quem quer trabalhar honestamente. As flexões da palavra "honestidade" serão lidas mais vezes aqui, eu gosto delas e seu efeito no subconsciente é muito benéfico.

http://dmjuice.desmoinesregister.com/
Com isso, não é de se admirar que existam tantos campos para traileres e motorhomes, que acabam ficando com os pneus quadrados com o tempo, mas ainda podem empreitar boas viagens. São moradias baratas para quem não pode comprar uma casa, ou prefere o estilo de vida mais livre. Uma carcaça de ônibus ou bonde, então, por perfeita que esteja, é vendida a preço de matéria-prima usada. Alie-se isto à facilidade em abrir uma empresa et voilá, mais um empreendedor tentando sustentar a família com um negócio próprio. Sim, eles gostam de luxo, mas no cotidiano a ostentação não é bem vista entre os americanos, lição que nós deveríamos aprender com eles.

Com tudo isso fica fácil perceber que os diners tiveram um campo fértil, especialmente nos anos de recessão. A estrutura robusta e leve de um automóvel dispensa maiores adaptações, em termos de segurança, e resiste muito bem ao tempo com pouca manutenção, ideal para quem tem muita vontade de trabalhar e pouco dinheiro para investir. A regra era, e ainda é, oferecer um ambiente limpo e honesto. Honestidade, por falar nisso, é algo que faz muita falta às lanchonetes de fast food de hoje! Precisar apelar constantemente à venda casada de brinquedinhos para atrair público, faz favor!

Com essas características, os diners atraíram rapidamente a juventude, que começava a desfrutar de uma abundância de recursos e oportunidades que seus pais não tiveram, no pós-guerra. Claro que a nova clientela incentivou a redecoração dos treileres usados, que passou de mínima para alegre e informal. As juke box passaram a fazer parte do ambiente e toda a encrenca tomou a forma clássica que conhecemos, eternizada por filmes e documentários americanos. Como os pais já se encarregavam de dar a formação culta aos pimpolhos, eles se sentiam livres para aproveitar a vida informal enquanto podiam, afinal já tinham feito por merecer a folga à noite.

 E claro que com a presença da garotada, e os donos querendo manter a clientela, logo uma relação de amor e ódio se estabeleceu, e os rapazes envelheceram lembrando daquela garçonete linda, que ouviam dizer que dava para todo mundo, mas nenhum de seus amigos consegui pegar. Com certeza foi só boato de um fanfarrão com dor de cotovelo. O facto é que toda moça que sabe colocar um marmanjo em seu devido lugar, sem ser grossa, acaba se tornando um mito na comunidade e objecto de desejo dos rapazes.

Alguns desses rapazes, que também conheceram os anos de ouro das pin-ups, hoje vivem das mesmas ilustrações que compravam outrora, como Greg Hildebrandt, o autor da pintura ao lado, que certamente se inspirou em romances, correspondidos ou não, de sua juventude. Aliás, já tratei das pin-ups no Talicoisa, mas voltarei a falar delas com mais profundidade neste blog apropriado. Basta eu reunir material, mas podem ir se adiantando e ler aqui.

Os mais sofisticados, ainda que construídos em alvenaria, costumam imitar as linhas automotivas que fizeram a fama dos restaurantes. Como tudo o que é bom e duradouro, os diners nasceram de uma necessidade, como a de gente que precisava de uma boa refeição a preços camaradas, para o quê dispensavam a sofisticação e o conforto que os restaurantes incluem na conta. Não fossem nossas ruas esburacadas e nosso trânsito caótico, seria uma boa idéia um diner automóvel, que oferecesse um passeio enquanto os clientes são atendidos e, quem sabe, até comem para descer perto de seu destino.


Como fazer um Diner? Basicamente o mesmo procedimento para abrir um, como chamamos em Goiás, pit-dog. Bastaria um trailer e algumas cadeiras com mesas, só que um pouco mais sofisticado. Agora, num diner que mereça o nome da tradição, é preciso um bom trabalho de arquitetura, como os pioneiros fizeram intuitivamente. Como na ilustração acima, do I-70 Diner, este aqui, uma composição clássica e infalível, com cadeiras ou banquetas giratórias individuais ao balcão, e bancos contrapostos, para dois ou três, com mesas internas. A cozinha é mínima, por isso mesmo precisa ser a mais racional possível, bem como a despensa, algo que a tecnologia de hoje permite facilmente. Um ônibus urbano grande com baixa no detran, pode ser arrematado por menos de trinta mil reais, um quinto do que custaria uma estrutura de alvenaria com dimensões e robustez similares. Um funcionando e em condições de ser um diner itinerante, passa fácil de trezentos mil.

O que precisa para se trabalhar com um diner? O mesmo que um empresário normal, só que aqui vale a visão aguçada de quem fez sucesso, como o 210 Diner de São Paulo. Hoje em dia até se atrai muito a juventude, mas a combinação feliz de sofisticação e informalidade agrada muito aos adeptos do retrô e vintage, especialmente aos que têm mais de quarenta anos... É, como eu, engraçadinho. É preciso saber servir o cliente, estar disposto a ter sua amizade e conciliá-la com os negócios. Feito isso, metade do sucesso está conquistado. Também é preciso treinar muito bem os funcionários, que precisam ter muito bom humor e disposição para conversas rápidas, enquanto servem ou recolhem pratos. É preciso, como nos anos clássicos dos diners, ser um amigo do cliente, ainda que ele não esteja disposto a amizades no começo; com o tempo ele cede, é batata. Se a decoração for retrô, não poupe tempo à internet para uma boa pesquisa, ou cairá na tentação de fazer um burlesco bizarro.

A decoração pode ser complementada com cartazes e cardápios ilustrados à moda antiga, sem precisar vender Mirinda, afinal é uma adaptação de época, não uma fenda temporal. Não se furte o direito, e dever retrô, de promover bailes e festas temáticas, com prêmios para os mais bem caracterizados. Lembrem-se de que chique e informal não são antônimos, Audrey Hepburn provou isso.



Diner na Wikpédia, clique aqui.
Website do 210 Diner, clique aqui.
Website da OH-Diners, clique aqui.
Website do Baltimore Diners, clique aqui.
Website com as pinups de Hildebranddt, clique aqui.

5 comentários:

  1. Nanael:

    Se você deseja montar um diner em casa, delicie-se com essa empresa que fabrica móveis:

    www.bitw.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Deus me livre! Nem gosto! Sem dúvida que um diner in door está nos meus planos, nem que seja numa saleta.

      Excluir
  2. Mirinda é horrível, pior que a urina do capeta, cheguei a provar uma vez no Uruguai onde ainda é vendida. Com certeza seria um item que eu não faria constar no cardápio de um diner. Diga-se de passagem, eu mesmo já cheguei a pensar em abrir um diner usando como base uma carcaça de ônibus articulado.

    A propósito: a uns anos atrás tinha um ônibus Marcopolo Torino LN com chassi Volvo B58 que ainda tinha condições operacionais mas foi tirado de circulação regular em Curitiba e transformado em lanchonete que ficava estacionado no Arroio do Silva, uma localidade ao sul de Santa Catarina onde a minha avó costuma passar o verão. Não era exatamente um diner, mas pelo menos oferecia um pouco mais de comodidade que os trailers mais convencionais.

    ResponderExcluir