terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A cultura vintage nascente em Goiânia

A bela e nascente juventude vintage goianiense.

No último domingo foi plantada uma sementinha vintage na amargurada cidade de Goiânia. Outrora rica em art déco, deliberadamente abandonada e vendida à especulação pela prefeitura, a capital teve um evento que pode ser o embrião dos festivais vintage que há nos Estados Unidos e na Inglaterra. Claro, não espero que consigamos toda aquela magnitude, mas vier a ser tão bem sucedida como as muitas feiras que povoam os fins de semana da cidade, estaremos no lucro.


O Segundo Encontro de Bicicletas Antigas de Goiânia, feito com a colaboração do Volks Clube de Goiânia, e os competentes e simpáticos amigos Sérgio Anos Cinqüenta e Sérgio Fuck The Factory, teve um brilho que denunciou as ambições do evento.

Além das Göricke, Philips, Monark, Caloi e outras bicicletas de marcas quase desconhecidas em terras nacionais, de encher os olhos, muitas da época em que bicicletas eram emplacadas. O mercadinhos de pulgas e antiquários levou uma variedade e qualidade de peças que até então não se imaginava haver na cidade. Belezas como um elegantérrimo rádio Philco valvulado, estavam à dispósição para apreciação, e alguns até para venda. O rádio, para quem ficou com água na boca, lamento, mas encontrou quem pagasse lá mesmo os R$ 850,00 pedidos pelo Matias. Mas havia muito mais, com ele e com outros expositores.

Um dos charmes arrebatadores foi um mini bar rockabily montado pelo Fuck The factory. Estilo anos cinqüenta, como os bares americanos de beira de estrada que atraíam
caminhoneiros e motoqueiros renegados naquela época, dando muito pano pra manga em Hollywood, tudo feito com o capricho de quem sabia o que estava fazendo.  No balcão havia a grade de um Galaxie 1969, para dar o ar de bar estradeiro, na pequena estante atrás, belas peças de época, como um rádio da segunda metade dos anos cinqüenta, um abajour de época e um gramophone maravilhoso, ao lado dele um tímido e singelo toca-discos portátil, do fim da década. A quantidade de detalhes simplesmente não caberia em um só texto, mas acredito que vocês já têm uma idéia do que eu presenciei. Se fez sucesso? Com venda real de bebidas, as mesinhas ficaram todas ocupadas. Vejam só, venderam bebidas e nem por isso houve confusão! Ah, esse mundo de hoje só é moderno no verniz, sob este é apenas uma reedição da antiguidade bárbara.

Em frente ao bar, um festival de duas rodas de fazer infartar os amantes de motos antigas. Três belas Lambrettas, uma indefectível Zundapp, Duas robustas BMW com transmissão por cardã, uma rara Matchless inglesa, a clássica e perigosa Yamaha 650, a furiosa Honda 750 Four "Sete-Galo", três singelas Garellis dignas de placa preta, além de gente passeando de bicicletas clássicas pela área do Cepal. Os selvagens das motocicletas surtariam com a cena. O que mais impressionava os neófitos, é que todas chegaram e foram embora pela força de seus respectivos motores, enchendo o ambiente de uma sonoridade que o excesso de rotações por minuto das motos modernas, nos nega todos os dias.


Com o tema "rockabily", o ambiente foi preencido com músicas de época, dos anos cinqüenta e sessenta, estrangeiras e nacionais, até antes da Jovem Guarda. Diga-se de passagem, o volume era bem confortável, na medida para todos ouvirem as canções sem ter que gritar para ouvirem uns aos outros. Ah, como tem gente precisando aprender esta regrinha simples de civilidade! Gente que incomoda o bairro todo e se faz de vítima perseguida.

Todas as músicas eram dançantes, alegres, que estimularam os jovens presentes, inclusive a adorável filha do nosso barman, vestida a caráter em seu vestido preto de bolinhas. Ela, uma amiga de saia azul rodada e dois rapazes com cabelos ala James Dean.

VENDIDO!
Carros antigos também, é claro, alguns no estilo rat-rod, vomo um belo Opala coupé e um imponente Galaxie 500. Além, claro de Fuscas, uma Variant, Opala Comodoro com capota Las Vegas, Coupé, Ford Corcel II, Dodge Dart, um raro Corvette Aniversary 1978, um impressionante Dodge Custom Royal com suas marcas temporais, duas gerações de pic-ups Ford F-100, duas Kombis Jarrinhas, um desbunde que ninguém esperava, mas aconteceu.

Incidentes? Nenhum. Nenhum mesmo! Todos os que foram querem voltar à próxima edição, cuja temática será "Elvis Presley", que chegará em em Cadillac conversível cor de rosa, que compareceu ao evento. Compareceu e roubou as atenções, foram dezenas de visitantes e expositores fazendo fila para uma photographia a bordo. Alguns detalhes denunciavam a idade, mas nada que lhe tirasse a beleza opulenta, nem que um trato não resolva. O funcionamento do carro e sua capota, estava impecável, tanto que ela foi baixada com ele em movimento, no meio do trânsito.


Nem a dor de cabeça que o calor vulcânico causou, ofuscou a satisfação que o testemunho naquele evento me proporcionou. Com toda certeza, os participantes e visitantes menos sensíveis ao clima, simplesmente amaram tudo aquilo.
Uma linda e robusta Göricke.

A quantidade de crianças absolutamente encantadas com o ambiente e seus detalhes, era de se perder a conta. Diante das bicicletas e velocípedes que poderiam ter sido de seus avós, talvez até bisavós,  elas ficavam extasiadas, querendo levar para casa. Pena, a maioria era só para exposição mesmo. Apesar dos sustos que os petizes sempre dão, disparando à menor distração de seus pais, nenhum se machucou. Havia adultos atentos, muitos adultos que viam neles os seus próprios filhos, até netos.

Os resultados práticos, que financiam nossas extravagâncias, foram satisfatórios, a ponto de todos terem dito que quem não foi, perdeu; não só dinheiro e não só entretenimento, mas ambos. Fisgar o cérebro, o coração e o bolso ao mesmo tempo, é uma das faculdades mais desenvolvidas da cultura vintage. Esperamos que com este evento bimestral a história se repita, e a circulação de capital faça seu trabalho. Ah, os tempos em que o dinheiro trabalhava para comprar coisas e serviços, em vez de comprar promessas futuras de mais dinheiro... A bolha imobiliária americana deu a lição.

Tudo durou das dez ás treze horas, tempo estimado pelos organizadores para um evento coeso e de acordo com a estrutura disponível. A conta fechou redondinha, mas os próximos vão demandar um pouco mais de investimento, porque a propaganda boca a boca começou lá mesmo. Só a estrutura do lugar poderia ter sido melhor, mas é o máximo que um evento cultural sem potencial político consegue do governo. Conseguir aquele espaço já foi uma vitória suada!

Caros leitores, foi lindo! A juventude no que ela tem de bom estava lá, prestigiando e se contaminando com a infecção vintage, para a qual não há cura. Espero sinceramente que meus amigos vintagistas de outras partes do mundo, um dia possam pegar uma publicação especializada e com um festival vintage de Goiânia.

Se vocês não imaginam dois jovens cheios de testosterona cumprimentando a namorada um do outro, sem sair briga, é porque nunca foram a um evento de antigomobilismo e memorabilia, como foi este. As pessoas passam a ter outra noção do que é liberdade, e usufruem dela como nenhum viciado em permissividade consegue da sua. Tudo o que os anos cinqüenta tiveram de bom, estava em pequenas doses naquele pequeno evento. Pequeno, mas indemovível em sua seara de crescer, florescer, frutificar e reflorestar Goiânia com o passado de beleza e esperanças no futuro, que nem faz tanto tempo que foi amputado.